sábado, 23 de agosto de 2014

Indígenas absolvidos de acusações de tortura

                                                            Foto: arquivo do google

Três índios caingangues foram inocentados das acusações de tortura contra uma mulher da mesma tribo, que foi acorrentada a um tronco durante horas e ameaçada pelos réus. A mulher, que estava grávida, foi castigada por ter desrespeitado as regras locais, afrontando o cacique da tribo e, após ser solta, foi expulsa do acampamento indígena localizado no município de Mato Castelhano. A sentença é desta quinta-feira, 21/8/14.

Ao analisar o caso, o Juiz de Direito Orlando Faccini Neto, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Passo Fundo, entendeu que o caso em análise se trata de um tipo de cultural defense, isto é, foram seguidas as regras de sua própria cultura.

Caso

Em 8/3/10, no Acampamento Indígena do Município de Mato Castelhano, situado na BR-285, Km-270, os acusados submeteram a mulher, uma gestante sob poder e autoridade do cacique da tribo, a um castigo porque ela defendeu o direito de sua filha e genro mudarem de acampamento indígena, o que foi rechaçado pelos acusados.
Ela foi puxada para fora de casa, arrastada por cerca de 100 metros até um campo, localizado em frente à sua residência, onde permaneceu acorrentada em um tronco, com correntes e cadeado, por cerca de quatro horas. Ela ainda teria sido ameaçada e injuriada.

Os réus, que foram denunciados pelo Ministério Público pelo crime de tortura, se defenderam, argumentando acreditarem que as regras estabelecidas por eles são as suas próprias leis, levando em conta seu modo de vida, e costumes.

Decisão

O magistrado considerou que as medidas tomadas pelos caingangues fazem parte da cultura daqueles indígenas. Como, por exemplo, o ato de amarrar alguém a um tronco por horas a fio, a fim de que expie erros e infrações às normas internas da tribo.

Na espécie, o instrumento que lesou e, de certa forma, restringiu a liberdade da vítima, era o meio ao alcance dos acusados, representantes legítimos daquele grupo indígena, de corrigir o comportamento do membro, para eles, infrator, afirmou o magistrado. Infrator num contexto de generalidade, porque o direcionamento da normativa indígena, aqui, não reunia particularidades concernentes à condição feminina da vítima, razão por que propendia a atingir todos aqueles que o violassem, acrescentou.

Assim, o Juiz diferenciou este caso de outros, que, embora virtualmente relacionados a manifestações de grupos, encontrariam solução diversa, como a excisão do clitóris feminino, praticada por certos grupos culturais. É que, nesta hipótese, segundo o magistrado, estaria em causa desde logo um rebaixamento da dignidade feminina, visto que à mulher, com a excisão, atribui-se meramente um papel de reprodutora, o que não aconteceu no caso sob julgamento, em que a punição era prevista para a generalidade dos membros da tribo, inclusive em documento que era do conhecimento de todos.

Na análise do julgado, não haveria outra forma de assegurar o caráter de prevenção negativa e de afirmação da vigência das normas internas da tribo, exceto do modo como a medida adotada representou. Segundo o magistrado, o castigo, neste caso, não partiu de uma demonstração pura e simples da autoridade do cacique, senão de um processo que se poderia aduzir como democrático, com a finalidade primeira de reeducar índios problemáticos.

Com base em lições de doutrina, os réus tiveram o reconhecimento da cultural defense, que, segundo o Juiz, exclui a culpabilidade.

Processo n° 2100012312-9 (Passo Fundo)


Texto: Janine Souza

Fonte: Site do TJRS

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